terça-feira, 26 de julho de 2011

Precatórios acumulam à espera de pagamento

Uma sala inteira do Palácio da Justiça do Rio Grande do Sul é ocupada por pilhas e pilhas de papéis que representam a vida e a esperança de cerca de 30 mil pessoas que aguardam por uma solução do Estado quanto ao pagamento de precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV). A dívida do Estado, em decorrência de ganho de causas na Justiça de servidores públicos, pensionistas do Instituto de Previdência do Estado (IPE), municípios gaúchos e desapropriações é de R$ 4,9 bilhões, segundo dados da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul. A estimativa da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz/RS) é que o déficit em RPVs seja de R$ 2 bilhões.


No amontoado de papéis, existem processos com mais de 30 anos, a maioria oriunda de pensões alimentícias do IPE. Os precatórios são, definitivamente, a dor de cabeça do Estado. O coordenador da Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios, Pedro Luiz Pozza, acredita que esta é uma dívida “que nunca será paga”.

Mas enxaqueca mesmo foi o que ocasionou a Emenda Constitucional nº 62 de 2009 aos precatoristas. Até o ano passado, a Central, sob a coordenação do juiz Cláudio Martinewski, vinha negociando as dívidas diretamente com os interessados. “Chegava-se a pagar 65% da dívida total”, conta o juiz Pozza ao explicar que o objetivo da sua criação em 2009 era o de fazer negociações. No entanto, a rotina de trabalho foi alterada com as novas regras que estabeleceram outros critérios para o pagamento das dívidas.

A EC 62 determinou que o Estado destinasse 1,5% da Receita Corrente Líquida (RCL) para quitar dívidas dessa natureza e autorizou-o a liberar 50% dos valores para pagamentos de precatórios de pequeno valor, pela ordem crescente. Os demais 50% obedecem à ordem cronológica, com prioridade aos portadores de doenças graves e idosos com idade acima de 60 anos, com direito a receber até 120 salários-mínimos. Porém, mesmo que o precatório seja superior a R$ 64,5 mil, do restante do valor não há previsão para o pagamento, pois eles retornam ao final da fila, seguindo a ordem cronológica.

Segundo Pozza, até o final do ano, serão pagos cerca de R$ 400 milhões em precatórios. “No mês de maio nós conseguimos pagar quase R$ 30 milhões e, em junho, pagaremos um pouco além deste valor”, argumentou. De acordo com a Sefaz/RS foram depositados, no primeiro semestre deste ano, R$ 153,7 milhões e, no dia 30 de junho, mais R$ 26 milhões já entraram na conta dos precatórios do Tribunal de Justiça.
O tribunal dispõe atualmente de cerca de R$ 300 milhões em conta, valor que vem sendo acumulado com os depósitos realizados pelo Estado, somado aos rendimentos em aplicações. O problema, comenta o juiz, será quando a Central contar apenas com o repasse de 1,5% da RCL, conforme orienta a lei.
Portanto, após a emenda, estão sendo pagos apenas os precatórios alimentares, obedecendo aos critérios de idade e doença. As dívidas do Estado relativas às desapropriações, por exemplo, ainda aguardam por soluções sem nenhuma previsão de pagamento. “Este é um grande problema, pois temos pessoas para receber indenizações por desapropriação há mais de 20 anos”, exemplifica o juiz.
Automação diminui burocracia

“A forma de pagamento é muito burocratizada, o que atrasa todo o processo de liberação do precatório”. A explicação é do coordenador da Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios, juiz Pedro Luiz Pozza. Mas a boa notícia é que, provavelmente, a partir de julho, os pagamento já possam ser realizados via Banrisul, mediante ordem de pagamento que vai identificar o número do precatório e do CPF do beneficiário.

O juiz comenta que o saque poderá ser feito em qualquer agência do Banrisul. Hoje, o processo percorre um longo caminho, passando por diversos órgãos até voltar a sua origem para emissão do pagamento. Com a automação, que será realizada pelo banco, este caminho poderá ser encurtado. O Banrisul comunica, através de nota enviada pela sua assessoria de imprensa, que “ainda está em tratativas com o Tribunal de Justiça do Estado para viabilizar a implementação de melhorias tecnológicas visando à agilização do processo operacional dos precatórios”.

“Quando o banco conseguir informatizar, o nosso trabalho será muito mais rápido”, comemora o juiz ao reclamar do demorado processo.

Entidades protestam contra mudanças no sistema

Ela é considerada a “Emenda do Calote”, e para os especialistas é “inconstitucional”. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), juntamente com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp); a Associação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário (ANSJ); Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP); e a Associação Nacional dos procuradores do Trabalho (ANPT), ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação de Inconstitucionalidade (Adin) contra a Emenda Constitucional nº 62.

Conforme a Adin, a emenda impõe regras restritivas “e inaceitáveis, principalmente porque limita e vincula o orçamento dos entes federativos na fixação de percentuais destinados a solver débitos oriundos de condenações judiciais transitadas em julgado”.

Para o juiz Cláudio Martinewski que coordenou a Central de Precatórios do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul até 2010, “ela vai contra a coisa julgada”, por ignorar a sentença judicial. Além disso, a emenda, segundo ele, é “moratória”, pois livra o Estado da condição de devedor. No entanto, ele concorda que ela traz alguns benefícios no sentido de privilegiar as pessoas idosas e doentes, apesar de prejudicar os que já estavam no topo da lista para receber.

O juiz Martinewski também critica a alteração na correção dos juros, de IGPM para poupança. “Só foi bom para o Estado e não para o precatorista”, comenta o juiz. Ele acredita que, daqui a alguns anos, o Estado somará novas dívidas em decorrência desta emenda.

O assessor jurídico do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul (Sinapers), Ricardo Bertelli, que também é vice-presidente da Comissão de Precatórios da OAB, diz que a EC 62 trouxe uma preocupação ainda maior, pois não existe previsão de pagamento para os que estão na ordem cronológica, ou seja, os que não se enquadram no critério de idade ou doença. “O que está acontecendo é um contrassenso, pois existe mais de R$ 300 milhões para pagamento em precatório e este valor não está sendo pago”, contesta o advogado. Além disso, Bertelli critica o baixo percentual de 1,5% da Receita Corrente Líquida.

O Sinapers possui em torno de cinco mil associados e, segundo ele, a maioria possui um ou mais precatórios. “Dos 30 mil credores do Estado, pelo menos cinco mil são de associados do Sindicato”, comenta. “Antes de o governo falar em sustentabilidade financeira deveria pensar em pagar suas contas, pois precatório não é despesa, é divida”, advertiu o advogado.

Pacote de sustentabilidade não deve agilizar pagamento de RPVs

Como forma de protesto, pensionistas se reúnem às quartas-feiras para

tricotar em frente ao Piratini. ELISA DORIGON/DIVULGAÇÃO/JC

O assessor jurídico do Sinapers e vice-presidente da Comissão de Precatórios da OAB Ricardo Bertelli quer maior transparência do governo na quitação das Requisições de Pequeno de Valor (RPV). As RPVs são dívidas judiciais devidas aos servidores por reajustes salariais não pagos, previstos na Lei 10.395, entre 1995 e 1996. Hoje, o pagamento não pode ultrapassar 40 salários-mínimos e devem ser feito em no máximo 60 dias. De acordo com o presidente da Comissão Especial dos Precatórios Judiciais, deputado estadual Frederico Antunes (PP), até meados de junho, foram quitados R$ 299,9 milhões em RPVs. O deputado faz um alerta para que as pessoas não entrem no “mercado negro” de precatórios e RPVs e solicita que busquem informações antes de tomarem decisões precipitadas.

Porém, a Assembleia Legislativa aprovou no dia 28 de junho o chamado pacote de sustentabilidade financeira e dentro dele, a redução do pagamento das RPVs. Pelo projeto, somente dívidas de até sete salários-mínimos serão quitadas em 30 dias. Para valores entre oito e 40 salários o prazo para quitação será de 180 dias. “Com esta proposta, vai existir fila também”, reclama Bertelli.

A presidente do Sinapers, Ilma Truylio Penna de Moraes, diz que esta alteração vai prejudicar ainda mais os precatoristas, principalmente aqueles que abriram mão do precatório na troca pelo pagamento das RPVs, para poder receber mais rapidamente. “O projeto é inconstitucional e virá mais uma enxurrada de precatórios”, lamenta. Ela diz que a situação lembra a de uma “torre de babel”, por nunca ter um fim. A entidade, juntamente com a OAB e a União Gaúcha, já estuda uma alternativa jurídica contra a decisão dos deputados.

Como forma de protesto contra a demora no pagamento, as pensionistas e aposentadas do Estado se reúnem todas as quartas-feiras em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre. No local elas produzem o tricô que se tornou o símbolo da paciência pela espera destes pagamentos. As cidades de Cachoeira do Sul e Santa Maria também seguem protestando. Os tricôs são doados a instituições de caridade na forma de mantas, cobertores e sapatos de lã. A presidente da entidade também lembrou os colegas que morreram no acidente da TAM em 2007. “Eram pessoas importante para a instituição que lutaram muito e nós devemos isso a eles”, finalizou.

A OAB gaúcha contesta a proposta do governo e diz no seu parecer encaminhado à Comissão dos Precatórios da Assembleia Legislativa, que as requisições, “por serem de pagamento imediato, não há inclusão no orçamento, ordem cronológica ou limite do montante de comprometimento da receita. O descumprimento do pagamento em uma RPV, no prazo de 60 dias após sua expedição, determina o sequestro do crédito correspondente. Por isso, as disposições do projeto são inteiramente inconstitucionais, pois subvertem o próprio conteúdo jurídico das RPVs, determinado pela Constituição Federal, visto que equipara sua sistemática de pagamentos ao estabelecido para os Precatórios”.

O presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social Pública e da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Ricardo dos Santos Costa, cobra agilidade do governo e diz que a situação é delicada por envolver a efetividade do poder judiciário. “O processo tramita em todas as instâncias, com ganho de causa, e quando chega a hora de receber, entra na fila de espera e passa a receber parceladamente e, ainda, restringe cada vez mais o pagamento”, lamenta.

Seminários discutem propostas para quitação das dívidas

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul criou uma Comissão Especial dos Precatórios Judiciais. O grupo é presidido pelo deputado estadual Frederico Antunes (PP). “Nossa ideia é levar informações, pois existem milhares de pessoas sem acesso que ficam confusas sem saber o que fazer”, explica o deputado, que se comove ao ouvir os relatos de cada precatorista.

Juntamente com a OAB, Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Secretaria da Fazenda (Sefaz/RS), Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal de Justiça, Ministério Público e entidades ligadas aos servidores públicos, a comissão viaja por diversas cidades do interior do Estado prestando esclarecimentos e atendimento personalizado. De acordo com o deputado, os eventos conseguem reunir mais de 500 participantes em cada região.

O outro papel da comissão, que encerra atividades no dia 17 de agosto, é buscar sugestões para o pagamento das dívidas do Estado. “Não vamos esperar até o dia 17, nós já estamos fazendo,” salienta Antunes, que já encaminhou uma proposta de lei para a senadora Ana Amélia Lemos (PP), com base na Constituição Federal, parágrafo 16 do artigo 100 que prevê que a União possa assumir débitos de precatórios dos estados como forma de pagamento de dívidas. “A dívida pode ser paga, desde que haja boa vontade”, comenta o parlamentar.

Motivados pelas audiências da comissão outras propostas já ganham forma, tais como o PL 122/2011 e 157/2011, do deputado Ronaldo Santini (PTB), que tratam sobre a quitação da dívida mediante dação em pagamento de seus imóveis e sobre o regramento do uso de créditos em precatórios para a compra de bens imóveis. Há ainda uma proposta do deputado Valdeci Oliveira (PT), já encaminhada ao governo do Estado, que sugere ao Executivo um projeto de lei complementar que autoriza a utilização dos precatórios judiciais e RPVs para quitação de dívidas, bem como aquisição de automóveis e imóveis junto ao Banrisul. Além destas, há o PL 449/2006 do deputado Adilson Troca (PSDB), que dispõe sobre a utilização de precatórios para compensações de débitos inscritos em dívida ativa.

O presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do Rio Grande do Sul (Fessergs), Sérgio Arnoud, diz que as propostas discutidas nas reuniões são todas positivas. Arnoud apoia a que trata da negociação de dívidas dos servidores públicos com o Banrisul. “Cerca de 90% dos servidores públicos são devedores do banco, seria uma forma de quitação dos precatórios,” justifica o presidente.

Informações sobre os precatórios estão disponíveis nos sites: http://www.sefaz.rs.gov.br e http://www1.tjrs.jus.br/site/processos/precatorios_e_rpvs/.



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